É um momento extremamente oportuno para refletirmos sobre os rumos da Optometria no Brasil, afinal estamos em plena era da votação da ADPF, que definirá de forma quase irrevogável o destino de muitos profissionais.
Há algum tempo, analisando o comportamento do segmento ótico com relação à Optometria, me chamando a atenção, a seriedade de alguns profissionais, o oportunismo de outros e a resistência de outros tantos, nas diversas opiniões sobre a correta forma de trabalhar, se dentro da óptica, fora dela, juntos aos oftalmologistas, independentes deles, enfim, é possível constatar uma soma de dúvidas e desejos distintos.
Há quem diga que, sem uma legislação específica sobre o tema, vale eleger o jeito que mais lhe convém, e lamentavelmente, esta é a prática exercida por quase todos que ainda não sofreram algum revés jurídico. Enquanto aos que já a sofreram, na ausência de uma regulamentação definida, cabe exercer sua atividade de acordo com a decisão judicial.
Replicar as formas de atuação na Optometria usadas pelo mundo, onde em muitos países a optometria é exercida dentro da ótica, pode ser um caminho no futuro! Desde que respeitadas as leis do código de defesa do consumidor, que regem a relação comercial entre lojista e consumidor no nosso país, podemos apontar uma saída para os que querem a Optometria dentro da ótica. O que isso significa? Significa que não se pode atrelar um exame refrativo à compra dos óculos, ou seja, uma ótica pode ter um setor em seu estabelecimento que presta o serviço optométrico, e receber por isso, liberando a fórmula óptica para que o paciente (que é o que o consumidor neste momento), de posse dela, possa exercer o livre direito de adquirir seus óculos onde lhe convier. Isso inclui, sem pressão ou persuasão, o seu próprio estabelecimento, desde que não seja oferecida a isenção de pagamento pelo serviço optométrico para quem ali comprar os seus óculos. Neste caso, voltaríamos a configurar em crime contra o código de defesa do consumidor, sendo o ato interpretado como venda casada. Não podemos esquecer que, felizmente ou infelizmente, em nosso país essa lei existe.
Certamente teremos opiniões bastante divergentes dentro da nossa própria categoria. Eu mesmo, por opção, trabalho fora da óptica, e nem ao menos tenho uma óptica, mas essa é a minha forma de encarar a Optometria, e estou certo de que o meu jeito de atuar não afeta os que a querem dentro da óptica.
Seria bom que as divergências de pensamentos se resumissem a isso, mas na verdade, o que se vê é que lutamos de forma desarticulada. Há os que são contra o direito do profissional de nível técnico de atuar, outros obviamente são favoráveis, há os que são contra a existência de cursos de nível técnico e mais uma vez, temos os que são favoráveis, enfim. O que deve ficar claro é que, obedecidas as exigências das Secretarias Estaduais de Educação, e as regulamentações do MEC, não nos cabe contestar e sim nos unir em torno do maior número de profissionais legalmente formados. A futura regulamentação será a forma legal e única de, junto ao MEC, estabelecer aí sim, o nível de formação profissional desejado.
Podemos chamar de utopia, embora devesse ser chamado de bom senso, mas nossas energias devem estar concentradas apenas na incrementação do protocolo de atendimento. Sim! Discutindo o que mais devemos acrescentar ao nosso atendimento para que nossos pacientes tenham um atendimento de ponta, executado por um verdadeiro profissional da saúde primária. Vejam que falamos de saúde primária e não apenas de saúde primária visual. Isso nos remete ao protocolo de atendimento, que inclui exame externo do globo ocular, através da biomicroscopia com lâmpada de fenda, oftalmoscopia, exames oculomotores, tonometria e por que não, aferição da pressão arterial?! Nestes exames indispensáveis temos a capacidade de fazer várias observações, culminando em encaminhamentos às mais variadas especialidades médicas, dependendo das suspeitas de patologias, sistêmicas ou não, encontradas. Esta é a Optometria que será respeitada aqui, assim como o é em diversos países. Diferente da Optometria de fundo de quintal, fundo de loja, galpão de igrejas e outras formas mambembes de trabalho, feitas sem protocolo completo, e muitas vezes, sem ética, que visam o bem próprio e não representam o que a Optometria é na sua essência.
Todo o profissional trabalha também pelo resultado financeiro. Note que a frase diz, também, não diz, somente. A diferença está no fato de que muitos, com uma visão míope a respeito do todo, focam apenas os resultados, cometendo falhas e até crimes que comprometem a coletividade da profissão. É importante salientar que, o fato de não termos uma regulamentação, não nos libera a desenvolver um jeito pessoal de exercer a atividade, tampouco nos desobriga de nos auto policiarmos, evitando que atos individuais afetem o coletivo.
Talvez não seja uma informação de senso comum, mas a classe oftalmológica não se diferencia da nossa no quesito “autarquia de conselho”. O que isso significa? Significa que o CBO também não é uma autarquia, assim como o CBOO. A diferença é que existe o CRM, que engloba todas as especialidades médicas, então, esses profissionais, flagrados exercendo suas atividades de forma contrária ao que estabelecem suas normativas, são submetidos a processos administrativos e/ou ético-disciplinares do CFM.
Como uma categoria que pleiteia sua regulamentação e pleno reconhecimento, devemos, mesmo sem termos ainda o CBOO reconhecido como autarquia, auxiliar e respeitar nossas normativas, afim de dar um norte à atuação, bem como, esclarecer a partir de onde os profissionais serão chamados à responsabilidade e quais as sanções que poderão sofrer.
O que ainda é possível ver, lamentavelmente, é um bom número de profissionais apenas criticando seus regionais. Críticas por falta de pulso, quando os alvos são os outros, excesso, quando é contra si. Falta de transparência quando não fica por dentro do que é feito, e ausência e desinteresse quando é chamado a participar das assembleias. Sabemos que existem falhas, mas também sabemos que só aponta-las não as resolve. A unidade, sem briga de egos, de paternidade de ideias, sem queda de braço ou medição de força é uma necessidade urgente.
É notório que existem muitas lideranças na nossa profissão, nem todas com ideias congruentes, todavia ao estabelecermos conversas individuais com as mesmas, é possível notar que, embora muitas vezes existam divergências pessoais fortes e aparentemente irremediáveis, existe também a consciência do que o suposto “desafeto” já fez pela Optometria, seguida de um “mas isso, mas aquilo”…Fiquemos porém, antes do “mas” e concentremo-nos no que cada um tem de bom para ser aproveitado. Façamos da parte boa de cada um, ingredientes para as nossas vitórias, juntando forças verdadeiras que cada um possui, experiências e qualidades individuais que somam em prol do todo.
“Toda força será fraca, se não estiver unida.” JEAN DE LA FONTAINE
Fazemos muitos amigos nesses anos de Optometria, embora algo interessante aconteça a partir do momento que se integra uma diretoria executiva de um Conselho Regional, por exemplo. Alguns amigos não lhe veem mais como amigo, por não os isentar ou alertá-los das ações de averiguação do regional, por exemplo. Outros lhe procuram com várias denúncias, querendo solução imediata e mais que isso, que o conselho seja atuante em tempo integral. Nesse ponto, tudo certo, mesmo que o trabalho seja voluntário e tire o profissional de seus afazeres remunerados. O problema é que muitos desses “outros” não estão nem ao menos adimplentes. Querem atitude, comprometimento de quem lá está, mas não contribuem, calçados nas mais diversas desculpas. Pior, criticam gestões anteriores, mas nunca se mostraram interessados em ajudar, nem assumindo alguma função e nem ao menos contribuindo com sua anuidade. Como se não bastasse, uma boa parte desses mesmos “outros”, quando a averiguação é feita na sua região, também são flagrados cometendo as mesmas irregularidades denunciadas.
Que atributos como paciência, dinamismo, competência e imparcialidade sejam presentes em nossos gestores de Conselhos.
Não estamos em momento de julgar quem está certo ou errado, tampouco isso é um jogo onde vence quem tem razão. Ponderemos: O que você ganharia se todos lhe dessem razão, mas sua profissão deixasse de existir? O que você ganharia se todos lhe atribuíssem a paternidade da Optometria Brasileira, mas ela ficasse pelo caminho? O que você ganharia se sua gestão, frente a algum órgão de classe fosse considerada a mais atuante, se ao final não tivéssemos um futuro para a Optometria?
Em outra vertente, o que ganhará a Optometria se quando definitivamente aprovada, não haja um entendimento de como seguiremos nosso caminho?
É fato que vivemos em uma época de informação rápida, onde a transmissão de uma ideia vem seguida de rápida assimilação ou de uma enxurrada de discordâncias. Mas como explanado anteriormente, ninguém está disputando razão. Apesar da internet ser recheada de extremismos, de polarizações, times dos “contra” e dos “a favor”, é chegada a hora de ponderar, de pensarmos juntos, num caminho coerente, e isso passa pela necessidade de assumirmos papéis ativos na execução e cumprimento de metas regionais e nacionais, numa linguagem em sintonia com o Conselho principal, separando qualquer divergência pessoal ou comercial, em prol da nossa importante profissão.
“Reunir-se é um começo, permanecer juntos é um progresso, e trabalhar juntos é um sucesso.” HENRY FORD
Forte abraço a todos, e que sejamos sábios o suficiente para marcarmos de forma positiva a história da Optometria.
Fonte: Sérgio Dietrich
Artigo redigido para a Revista Educação Profissional e disponível nas páginas 32 e 33 da Edição nº 5.